Educação Patrimonial

Para conhecer a história de um povo não basta saber o que saiu do chão. Afinal, o patrimônio cultural das sociedades é composto por mais do que objetos. Sensibilizar pessoas para esse fato é uma das tarefas do educador patrimonial.

Para fazê-lo, lança mão de uma ferramenta educacional  desenvolvida especialmente para abordar questões de “alfabetização” cultural relacionadas a patrimônio ( natural ou cultural) que denomina de Educação Patrimonial.

Sem um corpo teórico preciso, as práticas da Educação Patrimonial se apropriam e perpassam hoje por ciências como Educação, Museologia, Psicologia, Semiótica, Antropologia (incluindo a Ecologia Cultural) e, sobretudo pela Arqueologia, a quem nosso trabalho se aplica e de quem empregamos os conceitos de Cultura e Patrimônio material para viabilizar sua compreensão. 


Antecedentes da Educação Patrimonial

A necessidade de preservação do patrimônio cultural surge fortemente com o  movimento Modernista – aqui no Brasil com início em 1922, e na Europa na última década do século XIX – como “resposta” da sociedade à crescente industrialização e seu repúdio ao antigo, aqui utilizado no sentido de velho, velharia, antiguidade.

Mário de Andrade declara:  “Não basta ensinar o analfabeto a ler. É preciso dar-lhe contemporaneamente o elemento em que possa exercer a faculdade que adquiriu. Defender o nosso patrimônio histórico e artístico é alfabetização”. Resguardava assim uma identidade nacional baseada na pluralidade do nosso patrimônio histórico, demonstrado por meio da multiplicidade étnica de nossa gente.

Ainda anônimo esse movimento foi o início do processo de Educação Patrimonial de origem inglesa (Heritage Education), que germinava na mente daqueles que trabalhavam com as questões relativas à memória, em várias partes do mundo, levados então pelo Modernismo que se difundia nos principais centros intelectuais do planeta. Sua premissa é educar para a defesa do patrimônio, levando os indivíduos a um processo ativo de conhecimento crítico por meio da assimilação consciente deste e a natural valorização de sua herança cultural, com isto fortalecendo  seus  sentimentos de identidade e cidadania. Propunha o conceito de “conhecer para preservar” como base de desenvolvimento metodológico, utilizando-se da observação do questionamento e da exploração de todos os aspectos do objeto patrimonial, explorando-o como fonte primária de conhecimento, reconhecimento para o enriquecimento pessoal e coletivo.

Espaços como museus, arquivos públicos ou particulares, centros culturais, sítios arqueológicos, e ainda os equipamentos (escolas etc.) da própria comunidade-sujeito (através de suas histórias, seus pertences), considerados como baluartes de memória, ainda são os principais ambientes de aporte dessa metodologia até hoje.

Utilizando-se deste formato, a legislação brasileira o adotou visando  assegurar a inclusão da Educação Patrimonial através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n.º 9.394/96 – que enfatiza, no seu artigo 26, que a parte diversificada dos currículos dos ensinos Fundamental e Médio deve observar as características regionais e locais da sociedade e da cultura.  Abria espaço à construção de uma proposta de ensino voltada para a divulgação do acervo cultural  em níveis estadual e municipal.

O Ministério da Educação elaborou os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o Ensino Fundamental, incluindo os chamados “temas transversais”.  Entre eles, o patrimônio histórico e a Educação Patrimonial, pretendendo que estudantes brasileiros tenham oportunidade de vivenciarem temas referentes ao Patrimônio natural e cultural e possam entender suas diferenças.

 
Nas últimas quatro décadas a arqueologia acadêmica se valeu quase que totalmente da museologia para divulgar seus saberes para o publico leigo. Era comum a produção de exposições sobre temas pontuais nos museus, em universidades e também em área museal das instituições de pesquisa. No Instituto de Arqueologia Brasileira (IAB), a partir da década de 90 além dessas exposições também já se produziam “oficinas” temáticas para atender ao publico escolar visitante aos eventos e  são deste período  os primeiros registros  em filmes constantes dos arquivos do IAB.

Na prática o que se denomina por Educação Patrimonial, tal como hoje é conhecida, foi inicialmente aplicada no Museu Imperial de Petrópolis na década de 90 pela museóloga Maria de Lurdes Horta, que se baseou no método do Heritage Education para desenvolver pesquisas de grande relevância na área. Sua experiência foi adotada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN quando a Portaria 230/2002, a atrelou a pesquisas conhecidas como de Salvamento ou de Resgate arqueológico tornando obrigatória a sua pratica junto a programas de pesquisas de resgate arqueológicos realizados através de contratos empresariais. Desde então se tornou procedimento indispensável de devolução sociocultural às comunidades afetadas pelas obras de impacto direto e indireto sobre o patrimônio arqueológico em todo o território nacional. 

Com o advento da Arqueologia Empresarial o movimento ganha força e a Educação Patrimonial passa a englobar além da Museologia, Ações socioeducativas e Estudos relacionados ao levantamento de dados do Patrimônio Imaterial. No caso do IAB sua equipe vem atuando de forma inovadora, não levando às comunidades o conhecimento de fora para dentro (do “especialista” para o “público”) e sim buscando a informação de dentro para fora (principio da maiêutica de Sócrates). Vale-se na prática do método do Psicodrama Pedagógico fundamentado por Jacob Levy Moreno na sua Teoria Socionomica - onde é a sociedade (sujeito)  que em contato direto com o objeto (objeto patrimonial escolhido por este) dele se apropria e o contextualiza como coisa sua. Experiencialmente, dele se intera, nele penetra e através dele participa de seus aspectos essenciais podendo então reconhecê-lo como parte de sua realidade e de sua história (de qualquer tempo).  No campo da educação, parece-nos ser também alguma coisa de novo, algo que merece ser estudado além dos limites institucionais e que representa, sem dúvida, também uma mudança naquela mesma mentalidade. 

 

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