Projeto de Complementação de Prospecções e Resgate Arqueológico da Área da Antiga Cidade de São João Marcos

Em função de uma carta convite do Instituto Cultural Cidade Viva - ICCV, o Instituto de Arqueologia Brasileira-IAB efetuou, em 2008, o Projeto de Avaliação da Potencialidade Arqueológica da área da antiga cidade de São João Marcos.

Realizado o Projeto de Avaliação foram então estabelecidos entendimentos com o IAB que resultaram na elaboração de um Projeto de Complementação de Prospecções e Resgate Arqueológico, aprovado pelo IPHAN, visando a continuação dos trabalhos iniciados. Estes se prolongaram de julho de 2009 a abril de 2010 e resultou na construção de um quadro altamente satisfatório quanto aos objetivos a que se propunha.

Tratava-se de revelar toda uma grande área da antiga cidade de São João Marcos da qual alguns setores seriam, especificamente, privilegiados pela pesquisa mais acurada. Sendo estes, a entrada da cidade que começa na Rua Jorge Americano Freire alcançando a Praça Cinco de Julho com suas quadras em torno; dois dos seus prédios considerados mais proeminentes como a Igreja da Matriz e o Teatro Tibiriçá e seriam apenas evidenciadas as fachadas da casa do Capitão-mor, da Câmara Municipal e da Prefeitura. Foi o proposto pelo ICCV, para atender aos propósitos do Instituto Light, de projeto do Parque Arqueológico Ambiental de São João Marcos.

Os resultados da pesquisa até 2010 ultrapassaram em muito o escopo original tornando possível, não só alcançar as metas pretendidas como esclarecer diversos pontos de interesse histórico e abrir novas perspectivas a respeito do passado local.

Assim foi que, por três anos os pesquisadores do Instituto de Arqueologia Brasileira- IAB, com a firme determinação de fazerem ressurgir parte do que restara de São João Marcos, enfrentaram todas as adversidades e realizaram o trabalho a seguir. Desde fortes chuvas que ameaçavam fazer desabar algumas estruturas postas à luz, da presença constante do gado solto na área das ruínas, situações que puderam ser um pouco pioradas, ainda, pela ação de alguns, felizmente poucos, visitantes inescrupulosos ou curiosos demais. Nada os demoveu de tão espinhosa, mas promissora missão.

Diante do exposto convidamos você a “viajar” conosco neste extraordinário trabalho de fazer emergir das entranhas da terra uma cidade que há mais de setenta anos foi demolida e, a parte das suas ruínas que não foi afinal envolvida pelas águas, deixou-se ser, gradativamente, “engolida” pela Grande Mãe. 

A cidade de São João Marcos antes da demolição

 

Naquela área, antiga cidade de São João Marcos, o ICCV criou, sob os auspícios da Light S.A. (empresa de fornecimento de energia elétrica), um parque arqueológico cujo escopo principal é a recuperação da memória histórica social e cultural daquela que foi a primeira cidade tombada pelo ainda SPHAN (hoje, IPHAN) na década de 1930. Destombada dez meses depois pelo governo Getúlio Vargas foi, então, parcialmente inundada pelas águas da represa de Ribeirão das Lages.

Suas origens, no entanto, recuam ao século XVIII estabelecida que foi no “Caminho Novo” para São Paulo, tornando-se entroncamento comercial importante e, posteriormente, foco de desenvolvimento do plantio do café até o abandono – forçado - da sua população na década de 1940.

Estas informações foram fundamentais no direcionamento e contemplam, em especial, os resultados alcançados pela fase da pesquisa de campo, as atividades e as conclusões das investigações desenvolvidas durante os trabalhos de prospecção, escavação, estudos patrimoniais, preservação do parque arqueológico e pelas práticas que nos foram permitidas realizar pela Educação Patrimonial. Embora esta última não tenha sido contemplada no Projeto que nos foi proposto, contribuímos com os envolvidos nos serviços de implantação e divulgação sistemática de preservação do local.  Como parte fundamental desta atividade divulgamos as técnicas melhor recomendadas através de uma cartilha produzida pela nossa instituição, resumindo tais conhecimentos e experiências.

A metodologia arqueológica utilizada objetivou a coleta de dados voltada para caracterização do espaço das áreas destinadas pela administração do Parque à instalação do módulo de apoio, do Estacionamento, do Centro de Visitação e da Cafeteria.

A prática da escavação profunda superou as pesquisas de caráter extensivo.

Ainda que, no entanto, tais resultados tenham ampliado consideravelmente o conhecimento sobre a potencialidade do sítio-cidade não se logrou concluir, apressadamente, não serem mais necessárias as atividades da pesquisa arqueológica. Pelo contrário, elas induziram a novas buscas, a novos esclarecimentos, a necessidade de novos investimentos, tanto no que diz respeito à abordagem ampla, quanto à pesquisa de profundidade, assim como a necessidade de preservação e restauro das estruturas postas a descoberto tal como foram feitas (lamentavelmente não mais pela nossa equipe) nos anos que se seguiram.

Á época, o parque cultural foi planejado de acordo com o traçado da antiga cidade e a área de atuação das pesquisas de campo foi denominada Circuito Mínimo de Visitação.

As pesquisas implementadas tiveram por finalidade fornecer subsídios para que fossem atingidas as metas propostas pelos idealizadores do parque, ou seja:

• O desenvolvimento de pesquisas de caráter histórico e iconográfico;

• O tratamento paisagístico e ambiental da área, sua inserção no parque ecológico já criado e;

• O estabelecimento de um novo centro apropriado para estudos científicos e de lazer cultural para a população em geral.

O Circuito de Visitação estabelecido em 2009/2010 do parque abrangia 654 metros de extensão, distribuídos nas Ruas Jorge Americano Freire; Ribeiro Almeida; 27 de setembro; Capitão Jorge Soares; Sebastião Lacerda; “Rua Substituta” e Rua Cinco de Julho. Para sua execução foi realizada limpeza sistemática das ruas e calçadas definidas pelo projeto visando sua evidenciação, bem como a exposição do que restou das fachadas que sobreviveram no seguimento das mesmas. As atividades contemplaram ainda a limpeza de estruturas chaves para o circuito, tais como as do Teatro Tibiriçá, partes da frente e da lateral direita da Igreja Matriz, da Casa do Capitão Mor e Câmara Municipal.

circuito de visitação em azul área de resgate em vermelho

Foram evidenciadas algumas das inúmeras estruturas de habitações e comércios dos seus antigos donos, bem como variados calçamentos de pedras, alguns do tipo pé de moleque e sistemas de drenagem de água.

Verificou-se que foram construídas pontes de pedra, vazadouros pluviais e outras obras que garantiram sua funcionalidade até hoje, apesar do abandono e da ocupação pela mata.

Foi localizada a estrutura de um prédio pequeno, parcialmente calçado de pedra, ao longo da estrada, entre esta e o muro de arrimo que sustenta a estrada que, pela simplicidade da planta, parece ter abrigado um estabelecimento comercial, talvez aproveitando a localização estratégica na entrada da Rua Jorge Americano Freire a qual, prolongando a estrada, atinge o centro urbano.

Encontradas, entre outras, pelas diversas vias contempladas nas pesquisas, ruínas a rés do chão de duas grandes residências. E ainda o que restou das calçadas fronteiriças, as fachadas e os alicerces das paredes da frente das casas, então, totalmente arrasadas.

Foi igualmente revelada uma edificação com quinze metros de largura por quatorze e sessenta de comprimento bastante impactada e mais três cômodos bem definidos na porção sul da mesma.

Pode-se constatar que alguns trechos, parcialmente preservados de calçada, apresentavam indicativos de que sofreram aterramento em algum momento após o abandono da cidade.

propriedades do Sr. João Luiz Gomes Junior, Costa Doca na lateral direita, e às propriedades Joaquim Valentim, Raquel Roma, Luiz Correa, Julia Azevedo, na lateral esquerda. calçamento de acesso ao núcelo urbano estrutura da residência de Luiz Dantas
residência dos Costa Doca reservatório de água com tijolos e argamassa área da "farmácia"

Em determinada área foi detectada uma grande quantidade de vidros, a maioria estilhaçada, que pode indicar o lugar onde existiu uma antiga farmácia. Na mesma, então denominada “Área da Farmácia” vários fragmentos continham a identificação do produto e do fabricante, assim como cacos de louça decorada, além de um pouco de metal associado a uns e a outra e em determinado nível da escavação uma pequena lente de madeira totalmente queimada.

Ainda ali - e colocados propositalmente - de forma isolada do amontoado de fragmentos de vidro, foram encontrados três cachimbos de barro na cor preta ostentando, cada um na frente do fornilho, figuras antropomorfas. Na parte fronteiriça das ruínas dessa casa, uma área que sugeriu ser de queima de carvão ou de lixo e, por fim, observada a existência de um buraco profundo que aparentemente esgotava as águas pluviais que por ali corriam.

A Igreja Matriz

Como já dissemos a Igreja Matriz é um dos principais pontos de visitação incluídos no circuito. Ela tinha sua frente voltada para o que foram as Praças Cinco de Julho e Feliciano Sodré e foi beneficiada por investigação mais minuciosa no seu interior e em todo o seu entorno. Exceto a lateral esquerda, (por nossa equipe).

Igreja Matriz em 1940 Matriz - lado direito - vista dos fundos Matriz - lado direito

 Foram revelados os calçamentos que a circundavam, do tipo pé de moleque; suas soleiras da frente, fundos e da porta lateral.

Matriz - calçada - lateral direita matriz -soleira da porta lateral direita frente  Pedra soleira da porta traseira  e piso hidráulico preservado

Seu corredor interno revelou uma parede de um metro e dez centímetros de espessura (de taipa de pilão, sem alicerce de pedra) que seguia paralela à calçada. Foi exposto o que sobrou dela e o telhado aparentemente queimado, reconstituindo, em parte, a arquitetura local, mesmo estando ele desabado e possivelmente incendiado; além dos indícios da escada interna que dava acesso ao andar de cima.

Porta dos fundos - Pilar de pedra Entrada da sacristia Interior da Matriz
Matriz - Panorama geral das escavações

Em um pequeno cômodo que se abria a partir da porta lateral, no sentido do altar, foi evidenciado o piso do prédio que se encontrava um degrau mais alto e era revestido por um piso hidráulico com motivos em zigue-zague na cor branca e com decoração preta.

Pode-se observar, em primeiro plano, uma arrumação de três fileiras com sete peças cada uma e com vestígios de duas colunas nas laterais; estas fileiras eram seguidas de uma fileira com duas peças do lado esquerdo, e, por último, de três fileiras com duas peças cada do lado esquerdo.

Foi localizada uma estrutura de pedra com argamassa ligando a parede externa, (junto à soleira) com a parede interna, em posição transversal ao corredor e terminando na direção da parede interna (que não foi encontrada) e ao final desta, um piso de tijolo maciço que adentrava em direção à nave da igreja. A configuração das descobertas sugeria ser esta área um batistério ou algo semelhante, já que outra estrutura indicava ter sido o suporte de uma antiga pia batismal ou similar.

Registros históricos demonstram que, no século XVIII ainda se enterravam pessoas dentro das igrejas, assim, sob os vestígios da escada do corredor, foi encontrada uma mandíbula humana inteira e totalmente carbonizada com cinco dentes que, por apresentarem pouco desgaste aparentam ter pertencido a um adulto jovem, possivelmente feminino. Também outro dente, isolado, o qual, provavelmente pertenceu à mesma pessoa. Esta evidência humana foi encontrada a oito metros distantes de uma peça de mármore, cujo local, posteriormente, identificamos como o ossuário da igreja já que, em busca da existência de algum piso no local, surpreendentemente, entre camadas de conchas trituradas misturadas com cal, areia muito fina e piche começaram a surgir inúmeros restos de ossos humanos muito fragmentados e calcinados, totalmente alterados pelo fogo e pelo tempo. Eram fragmentos de calota craniana, antebraço, ossos do dedo e várias outras frações não identificadas, não restando dúvidas quanto à conclusão.

Também foi localizada a fachada da torre lateral direita, que se encontrava revestida de argamassa com um modelo decorativo muito parecido com o existente na casa do Capitão Mor. Foi o que sobrou da torre sineira destruída. Ali foram encontrados fragmentos de madeira de, possivelmente, uma janela que havia no local, sugerindo, pela distância que, pelo menos naquela área, a igreja foi destruída no sentido interior/exterior.

Na passagem urbana junto à calçada, que se encontrava em boas condições, foi encontrado um pêndulo de ferro, próximo à torre sineira que é, provavelmente, de um dos sinos da Igreja. Fazia conjunto com uma corrente fixada em uma das extremidades a uma mola, e na outra a um cadeado fixando esta corrente a outra peça de metal.

A calçada lateral era do tipo pé de moleque. Seguindo até os fundos localizou-se uma coluna externa de pedra que fazia par com outra semelhante. Uma delas levou a crer que muito possivelmente entre as duas se estendia uma corrente limitando uma entrada ao ar livre. Observou-se que dos dois Pilares -“Frades” - que existiam nos fundos da matriz à época, apenas um (a “coluna externa de pedra”), ainda se encontrava no local.

Foi evidenciada parte do calçamento do Beco da Igreja que era, aparentemente, todo calçado com pedras, formando uma calha e que seguia na direção da entrada da igreja, e identificado o calçamento do qual faria parte o que seria o pátio lateral na parte de trás, provável acesso para a sacristia.

Beco da matriz- lado esquerdo - batente de porta Passarela de pedra ao fundo das ruínas da matriz Matriz em 2009

Na calçada em frente à igreja as pedras que formam o calçamento estavam fora dos seus locais, sugerindo terem sido deslocadas por alguma pressão, possivelmente por ação de máquinas, tendo sido o seu calçamento arrancado em uma parte do meio permanecendo, apenas, a extremidade intacta.

Apesar dos esforços despendidos, á época não se conseguiu evidenciar qualquer vestígio do Cruzeiro, sobretudo pelo fato de não ter sido possível remover o amontoado de pedras de médio e grande porte da entrada principal da igreja.

Verificou-se que o calçamento de pé de moleque subsiste em parte, algumas vezes sob o calçamento de pedras maiores.

Com a retirada de diversos blocos de pedra foram evidenciados vários fragmentos de médio porte de estruturas de construção, pedaços de paredes ou das torres da igreja, provavelmente dinamitados. Entre estes se destacava uma pequena torreta fragmentada, talvez uma das oito que formavam os adereços arquitetônicos que encimavam as torres principais e que se encontrava ainda com boa parte recoberta por azulejos. A base desta pequena torre era quadrada, decorada com azulejos azuis e brancos e sobre ela encontrava-se a torreta, propriamente dita, em forma de cone, também decorada com pedaços de azulejos azuis intercalados com azulejos brancos. Nesta peça faltava um pedaço do seu final, possivelmente onde existiria uma cruz.

Foi encontrada, também no local, outra peça de alvenaria muito danificada, na qual se percebia alguns azulejos nos tons azuis e branco na sua lateral.

Outra peça jazia no lugar, esta, de ferro, na forma da imagem de um anjo nas duas faces e possivelmente se trate de uma peça decorativa da igreja. Embora totalmente corroída pela ferrugem, assim ainda, se podem observar os contornos da imagem.

O que mais nos surpreendeu nesta pesquisa, naquela oportunidade, é que nenhum fragmento de parede ou baldrame foi encontrado na Matriz, exceto restos de reboco com tinta branca muito deteriorada (típico reboco de cal), mas sem nenhum vestígio de tijolo ou pedra, salvo na parede dos fundos onde havia uma estrutura de pedra, tendo sido suas demais paredes, ao que tudo indica, todas construídas pelo sistema de taipa de pilão, cujo baldrame começou a ser socado a partir de uma vala profunda, mas sem clara diferenciação de material. Embora se tenha atingido a profundidade onde obrigatoriamente teria que ter sido preparado ou construído qualquer baldrame/alicerce para suportar o peso da parede, não houve ocorrência de material arqueológico. E este quadro se manteve como resultado em quase toda a área, pesquisada, da igreja, sem que se encontrassem vestígios; apenas os fragmentos de reboco muito esparsos e frágeis, não se logrando localizar qualquer elemento construtivo diferencial em todo o percurso da parede externa.

Não sabemos o que resultou das pesquisas seguintes quando da restauração do seu frontispício.

Teatro Tibiriçá:

O Teatro Tibiriçá é considerado outro foco importante do parque por ser um local de grande interesse histórico, como já dissemos.

Foi evidenciada sua fachada e concluído que só havia evidência de piso a partir de doze metros da entrada da porta. Defronte ao teatro apresentava calçamento em pé de moleque e conservava ainda o sistema de escoamento de águas pluviais com canaletas ao meio.

Na entrada foram percebidas duas colunas de pedra e uma das colunas de sustentação do palco onde também se localizava a coxia. O piso, de chão batido, era recoberto por uma camada de cimento que se estendia por dez metros para dentro do teatro em direção ao palco.

Uma camada de carvão em toda a extensão do teatro levou a crer que tenha ocorrido um incêndio que queimou toda a madeira do teto e fez com que este desabasse.

Teatro Tibiriçá em 1940 Fachada do Teatro - 2009 Teatro Tibiriçá - 2009

 

Casa do Capitão Mor:

Foi construída em dois andares onde ao longo do tempo funcionou, além da própria residência do capitão, a escola local e o clube social da cidade.

Ali foi identificada uma grande quantidade de molduras em argamassa; pedras trabalhadas em cantaria na forma de arco e bases de colunas, assim como um número expressivo de fragmentos de ladrilhos, evidências que remetem precisamente à sua distribuição na fachada.

Também foi possível constatar que algumas partes das paredes e colunas internas do casarão se encontravam preservadas, conservando todo o emboço e pintura antigos. Na fachada leste havia uma calçada em pé de moleque.

Toda a calçada e estruturas da fachada foram evidenciadas.

Posteriormente esta estrutura foi totalmente escavada por outra equipe, mas seus resultados, até onde sabemos, não se encontram publicados, logo não conhecemos seus achados.

Casa do Capitão-mor - 1940 Casa do Capitão-mor - 2009 Pedras da alvenaria - da fachada ao solo

 

Câmara Municipal e Prefeitura:

Foram expostas paredes enterradas e parte da calçada, seguindo o ordenamento da linha preservada da calçada que se encontrava em frente à praça. Constatou-se que uma grande quantidade de blocos com grandes dimensões se encontrava sobre a fachada da Câmara. Percebeu-se que as paredes que compõem sua fachada foram provavelmente construídas com taipa de pilão, interpretação sugerida a partir da observação de evidências de reboco (que preservava pintura vermelha) fixado a uma argila bastante compactada. As paredes se assentavam sobre lajes de pedras retangulares colocadas em nível acima da calçada (tipo baldrame).

A foto ilustrativa do prédio da Prefeitura da década de mil novecentos e quarenta, na época da demolição da cidade, demonstra que era um sobrado de dois andares. Era, pois, uma típica construção do padrão oitocentista. Havia um prédio baixo atrás do mesmo, na mesma rua, antes da ponte, hoje destruída, e que permitia a saída da cidade.

Observou-se que, geminada ao prédio da Prefeitura existia uma construção baixa, cujos restos subsistiam muito degradados, talvez um anexo do Sobrado Municipal.

Ainda no Prédio da Prefeitura, acalçada à frente tinha uma largura de um metro na área onde não existiam falhas. As estruturas da fachada, com o seu reboco de cal e os tijolos e adobe, se decompondo em apenas um toque, por causa das fortes chuvas, dificultaram muito os trabalhos de evidenciação. Mesmo assim foi possível constatar que a fachada apresentava paredes de tijolos e adobe sobre uma base de pedra. Uma boa parte desta parede da fachada foi destruída na época em que foi feita a demolição das casas, mas ainda sobraram estes testemunhos de sua originalidade. Também examinados indícios de cinco paredes internas, aparentemente pintadas de branco. As paredes e as colunas de amarração eram pintadas de vermelho, da mesma cor das paredes externas.

Ao final dos vestígios da fachada verificou-se a existência de alguns tijolos maciços de cor preta, que provavelmente seriam de outra construção e também muitos fragmentos de telha colonial. Sem dúvida se trata do pequeno prédio anexo que aparece nas fotos antigas situado na parte lateral direita e traseira daquele sobrado.

Câmara Municipal e Prefeitura - 1940 Prefeitura - 1940 Prefeitura - 2009

 

Atividades Oportunas Revelando Achados Interessantes

Na propriedade dos Costa Doca: Objetivando analisar ocorrência de cultura material, foi desenvolvida uma investigação oportuna baseada na concentração da mesma, distribuída em superfície naquele local. O material estava agregado à raiz de uma árvore que nasceu no interior da estrutura edificada e que havia caído (a árvore) por causas naturais. Os dados levantados levaram à hipótese de tratar-se de uma adega, considerando sua localização na estrutura.

Também foi executada a limpeza para exposição do calçamento em pé de moleque do cruzamento das Ruas Jorge Americano Freire com Ribeiro Almeida e no Beco da Igreja.

Essas intervenções caracterizaram atividades isoladas e ocasionais, complementares às responsabilidades assumidas nesta etapa do Projeto Ruínas de São João Marcos.

Desta forma os dois projetos atuantes sob a responsabilidade das equipes do IAB, o da escavação e aquele orientado para a limpeza e preservação das ruínas escavadas atingiram plenamente os objetivos propostos. Como resultado, novas facetas da vida da cidade puderam ser definidas, novos documentos arqueológicos encontrados, outros e muito interessantes detalhes históricos esclarecidos, tudo isto reforçado com um acervo de peças altamente significativo, tanto de caráter cultural quanto museológico.

A partir desta etapa do trabalho já se pode contar com uma amostra representativa da importância da antiga São João Marcos do Príncipe. Mesmo que as ruínas, até àquele momento, então exumadas, significassem ainda e somente uma pálida imagem do que foi aquele centro urbano em seu período de maior importância, novas pesquisas se impuseram alargando os horizontes e atingindo novas áreas da cidade aprofundando o conhecimento sobre as estruturas ora reveladas.

Outras contribuições do IAB

Apesar de não terem sido programadas prospecções no entorno da Cidade, mas até mesmo para entender melhor seu complexo situacional, a equipe desenvolveu algumas visitas selecionadas a pontos históricos de importância da vizinhança.

Foi realizada uma Prospecção na Fazenda Olaria que está localizada a aproximadamente dois quilômetros distantes do Sitio Ruínas de São João Marcos, na direção da represa. Nela havia um muro de pedras com algumas colunas dentro d´água que, aparentemente, serviam de porto. Encontravam-se também as ruínas da antiga sede da fazenda; uma construção monumental toda em blocos de pedra de grande porte, revestida com argamassa, aparentemente, de cal. Subsistiam divisões com várias portas e estima-se que a altura das paredes de pedra seja de aproximadamente cinco metros. Em meio às ruínas, numa área aparentemente próxima à entrada, encontrava-se um círculo de pedras de cerca de três metros de diâmetro com pedras trabalhadas, formando um tipo de seta, intercalado com pedras simples e tendo no centro uma área vazia. Segundo um pescador que se encontrava no local, estas pedras formavam o antigo relógio de sol da fazenda, que fora roubado outrora, restando apenas as pedras. No entorno da fazenda observou-se vestígios de um grande muro também de pedra que terminava no rio Araras em forma de muro de contenção.

Saindo da Fazenda Olaria seguiu-se até o local conhecido como “Cemitério dos escravos” na margem esquerda do rio Araras. No local abundavam os vestígios de túmulos confeccionados com cimento, cacos de telhas e tijolos, sendo que um deles era formado com pedaços de trilho de trem. Também se localizou o muro de pedra que cercava o local e servia de contenção da estrada que dava acesso à cidade de São João Marcos pela ponte que ligava o Beco da Matriz.

Saindo do cemitério, seguiu-se até uma pedreira próximo a São João Marcos que se localiza na margem esquerda do rio Araras e no lugar se pode constatar que a maioria das pedras que foram utilizadas na construção da cidade, provavelmente tenha saído desta pedreira, pois no local ainda se encontravam grandes blocos de pedras cortados e prontos para serem transportados.

Observação: Propusemos que estes três locais deveriam estar integrados ao projeto do Parque Arqueológico e Ambiental, mas que se não fossem considerados de importância, recomendamos que fossem incluídos e merecessem igualmente abordagem arqueológica, enquanto subsistiam.

Não sabemos se estas recomendações foram acatadas pelo ICCVC ou pelo IPHAN.

Trilhando informações dos funcionários Nei e João, a equipe prosseguiu até a Casa do Padre Antônio Francisco da Silva que, segundo eles, mantinha em sua propriedade um pequeno museu com algumas peças retiradas da igreja e da cidade de São João Marcos. Este religioso teria sido o último a sair da Igreja Matriz. No local a equipe foi recebida pelo Sr. José Nilson e pelo Sr. Ronaldo Landislau de Aguiar, os atuais proprietários da chácara, que nos informaram ter o padre Antônio falecido há cerca de - à época - quatro anos. (Por volta de 2004/2006) Nos informaram que tudo aquilo que ele tinha na casa havia sido roubado, inclusive o livro de registro da igreja e dos visitantes do seu museu. A única coisa que restara fora uma imagem de Cristo esculpida em madeira, duas moções que o padre recebeu e uma foto dos 71 anos do mesmo. Segundo os proprietários da chácara, quem quiser mais informações sobre o paradeiro das peças desaparecidas do museu do padre terá que pesquisar na região, pois eles acreditam que os moradores devem ter guardado (ou saberem com quem está), este material. É possível que em Mangaratiba também possa existir muita coisa de São João Marcos. Segundo ainda o Sr. José Nilson, há necessidade de se fazer um trabalho intenso de busca de artefatos na região, pois, existem várias fazendas antigas e abandonadas na região, inclusive com senzalas, que estão em ruínas e se deteriorando, o que levará à perda de toda a história destes patrimônios.

Saindo da chácara do Padre Antônio, a equipe seguiu até a comunidade conhecida como Macundú, distrito de Rio Claro à cerca de cinco quilômetros de São João Marcos e verificou que era um lugarejo muito organizado com poucas casas (aproximadamente cinquenta) com ruas calçadas com broquetes, mas nada de antigo foi preservado, caso existisse, pois, todas as construções eram recentes.

 Considerações Finais

Objetivando colaborar no sentido de otimizar a sistemática de preservação, a equipe do Instituto de Arqueologia Brasileira organizou (como já dissemos) uma “Cartilha” com o resumo das experiências adquiridas e contendo as recomendações básicas sobre as medidas que deveriam ser seguidas para o prosseguimento (em bom termo) do futuro deste trabalho.

Experiências estas aplicadas, especialmente, entre dezembro de 2009 a fevereiro de 2010 quando o IAB manteve as estruturas evidenciadas, limpas e consolidadas dentro do possível, segundo técnicas específicas a cada material arqueológico (pedras, argamassas etc.), ausente da vegetação indesejada. Esta tarefa, conforme proposta na cartilha, foi executada utilizando-se o processo de “mona” (capina manual) e seleção de gramado natural ao redor das mesmas, feito de maneira sistemática por pessoal treinado para evitar deslocamentos das estruturas arqueológicas de suas posições originais.

A cartilha foi desenvolvida numa tentativa de mostrar que as atividades de manutenção em parques arqueológicos são vitais para sua preservação. No caso do Parque Arqueológico e Ambiental de São João Marcos, o trabalho desenvolvido tornou-se de grande importância pelo fato de este se encontrar dentro de uma APA, onde não se pode utilizar métodos químicos para efetuar a capina nas ruínas, demandando, da equipe do IAB, muita pesquisa e inventividade para solucionar o problema da limpeza para preservação das áreas trabalhadas.

Durante os estudos para sua elaboração, a fim de minimizar o problema, novos testes biológicos para controle de vegetação invasora foram experimentados na sede do IAB, com a finalidade de virem a ser aplicados no parque objetivando evitar qualquer dano e buscando preservar ao máximo as estruturas evidenciadas pela equipe de arqueologia.

Naquela oportunidade os serviços foram realizados em uma época do ano (verão) onde ocorre intensa proliferação de espécies vegetais invasoras em curto prazo, fazendo com que os mesmos fossem executados, mais de uma vez nos mesmos trechos, para viabilizar o local pronto para visitação a qualquer tempo. Mesmo após o processo de salvamento realizado por nossas equipes, o sítio ainda apresenta material arqueológico em superfície, que são deixados “in situ” para futura coleta.

Outro aspecto significativo, que recomendamos e acreditamos (à época) deveria ser considerado pelo empreendedor para as etapas futuras de manutenção do Parque, é a questão do deslocamento de estruturas (pedras soltas) e o da coleta de material de superfície durante a capina manual ou mecânica que deveria ser, desde então, equacionado.

É de todo conveniente acrescentar que em 2011 após o encerramento das pesquisas, a arqueóloga e gerente do projeto, Jandira Neto manteve contatos e entendimentos com o engenheiro de estruturas do IPHAN, especializado em restaurações arquitetônicas, Dr. Jorge Campana. Este concordou em elaborar um Projeto de Restauração, em especial da área da Matriz, e apresentá-lo ao IPHAN e ao empreendedor para, uma vez aprovado e tendo tais serviços contratados, desenvolvê-lo em cooperação com o IAB. O que não aconteceu.

Após a pesquisa arqueológica de 2010 o IAB contribuiu para a montagem de uma exposição permanente no Parque, assim como com a produção de filmes e outros.

Atualmente continuamos a participar contribuindo na produção de textos para suas publicações anuais sempre que solicitados.

Equipe Participante

Um trabalho do tipo envolve uma série de pesquisadores internos e externos, além de colaboradores, amigos e pessoas comuns que direta ou indiretamente colaboram, facilitam (ou até mesmo podem dificultar) o andamento dos trabalhos. De uma forma geral é mesmo necessário e sem dúvida, de fundamental importância a harmonia entre as partes, seja ela centrada nos membros da equipe encarregada diretamente das pesquisas ou distribuída pelo universo de pessoas nelas interessadas.

No caso das pesquisas arqueológicas do Projeto de Complementação de Prospecções e Resgate Arqueológico da Área da Antiga Cidade de São João Marcos Rio Claro (RJ) não foram poucos os envolvidos em maior ou menor grau e que contribuíram de alguma forma para os resultados já alcançados. Não restam dúvidas, no entanto, que foi necessário que cada um pudesse contribuir com dedicação pessoal suficiente para superar as inúmeras dificuldades colocadas, fosse pela natureza, fosse por outros agentes ocasionais da região. Mais fortes do que todos eles foram a fibra e a vontade que caracterizou cada um dos integrantes das equipes que ali operaram. Sendo assim, é mais do que justo nomear a cada um, na certeza de que foi a equipe, como um todo, malgrado as diferenças ocasionais de nomes e de períodos de atuação, que se tornou fundamental para o êxito dos trabalhos.

Uma das características deste Projeto foi a relativa alternância de arqueólogos responsáveis pela pesquisa de campo e que contrastou até certo ponto, com a pouca alteração sofrida na composição da equipe de auxiliares contratados na região. Na verdade, foram eles que se mantiveram permanentemente envolvidos e que, afinal, serviram de guia seguro para a Coordenação.

Equipe de Coordenação

Coordenador Geral – arqueólogo Ondemar Dias

Arqueóloga e Gerente Geral e Coordenadora de Educação Patrimonial – Jandira Neto

Gerente Financeira – Cida Gomes

Arqueólogos de Campo (por participação)

Gerhard Frisch (agosto setembro /2008)

Jane Pessoa (julho /2009)

Hércules Costa (julho, agosto, setembro /2009)

Divino de Oliveira (outubro, novembro dezembro /2009)

Técnico de Campo

José Neto (2008/2009)

Auxiliares Técnicos

Claudionei Silveira (2009/ 2010 na manutenção)

Giovani Dionizio (2009)

Auxiliares de Campo(2008/2009)

André L.Silva

Antônio B. Leone

Carlos R. Elói

Eli Veríssimo

José C. de Souza

João Batista

Leandro Martins

Manoel L. Ribeiro

Pedro P. da Silva

Sebastião Esteves

Equipe de Apoio Institucional (2008/2009)

Leandro Correa

Paloma Correa

Fernanda Tavares

Marcelo Rosa

Ana Campano

Nossos Agradecimentos

Primeiramente aos Empreendedores que confiaram em nosso trabalho e que esperamos tenham sinceramente se impressionado com o volume dos resultados e a beleza inesperada das ruínas exumadas e que podem ser representados pelo seu ativo negociador, Luiz Felipe Younes do Amaral, Coordenador do Projeto do Parque, do Instituto Light.

Aos responsáveis pela instalação do Parque, representantes do Instituto Cultural Cidade Viva, em especial ao seu diretor, Dr. Fernando Portella e à Produtora Responsável Dra. Iara Fancini, sempre presente.

Ao arquiteto Maurício Prochnick, da “Prochnick Arquitetura” pela presença sempre ativa e aconselhamento;

Ao Exmo. Sr. Prefeito Municipal de Rio Claro, Sr. Raul Machado;

À Sra. Maria de Lourdes Pereira Horta, do “Patrimônio Criativo”;

À Sra. Kryspina Kotikova, cujo “Projeto de Revitalização de São João Marcos” (2007-2008) constitui valiosa fonte de informações e contém sugestões de importância para o futuro daquele parque.

À Profª. Elvira Brum, que reencontramos após tanto tempo e que de fato tanto nos auxiliou, facilitando nossa tarefa, em nome da Prefeitura de Rio Claro.

A Profª. Dilma Andrade de Paula, cuja dissertação de Mestrado (IFCS-UFRJ, 1996) sob o título “Na Contramão da Utopia” nos foi cedida para consulta, assim como fotos de sua propriedade e que se constitui em importantíssima fonte de informação para todos aqueles que se interessam pela saga da antiga cidade de São João Marcos.

E a todos aqueles inúmeros amigos, conhecidos e particulares que forneceram informações e ajuda de quaisquer tipos ou simplesmente se interessaram pelo nosso trabalho, o nosso muito obrigado.

Instituto de Arqueologia Brasileira-IAB